sábado, outubro 24, 2009

Aos meus filhos...



Hoje acordei e não tive coragem de dar bom dia para as crianças. Tomei café, arrumei os papéis, tomei um banho rápido e fui em direção ao carro, mas dessa vez, em silêncio. As crianças estranharam, mas nada disseram, entraram no carro e também em silêncio, até a escola, me olhavam com certo ar de dúvida; medo; tristeza; não sei dizer bem o que sentiam.
Ainda olharam para trás quando desceram do carro; era como se quisessem perguntar algo, mas também não tiveram coragem. Estaria eu “educando” os meus filhos como covardes? Porque o silêncio deles? Estariam com medo? Mas porque teriam medo de mim? Eu deveria ser a pessoa em que eles deveriam mais confiar. Aquilo me deixou reflexiva. Agora tenho mais um motivo para me preocupar: o que fazer com meus filhos? O que fazer dos meus filhos?
Lembro-me de quando ainda eram bebês, das cólicas, do choro de fome, das risadas gostosas, dos primeiros passos, de quando começaram a comer de colher, a ir sozinhos ao sanitário, do primeiro dia de aula, e hoje já estão no ensino fundamental... Por um lado sinto-me confortável em poder “investir” na educação das crianças, durante toda a vida matriculei-os em bons colégios, bem localizados, professores bem conceituados, ensino de primeira qualidade, estou fazendo a minha parte, mas será isso o fundamental?
Não conheço os sonhos dos meus filhos, certamente eles os têm. Será que têm sonhos? Têm! Espero que não sejam sonhos medíocres, mas certamente o são. Convivem com pessoas medíocres, em espaços medíocres, em meio a tantas competições (medíocres), que muito provavelmente fará deles pessoas medíocres. É um ciclo. Faço ou não dos meus filhos bons seguidores?
Consegui estruturar uma família teoricamente perfeita: casa e carro próprios, emprego estável, bom salário, bom casamento, filhos saudáveis, vamos ao clube nos finais de semana, viajamos nas férias... Temos a vida sonhada, idealizada e “querida” por quase 100% da população brasileira; somos felizes! Somos felizes? Que conceito e qual o exemplo de felicidade estou dando e sendo para os meus filhos? Uma felicidade ideal que talvez não seja real. Nesse caminho, por onde perdi meus sonhos?
Dediquei grande parte da minha vida em busca de tudo o que tenho hoje e ainda me sinto incompleta. Julguei os “loucos” que agiam diferente de mim, eram inconseqüentes, irresponsáveis, não se preocupavam com o futuro. E o que é esse meu futuro que hoje eu consegui alcançar? Em qual medida devemos estar preocupados com o futuro? E quando conseguirmos realizar os nossos planos? Novos planos? Será que essas pessoas são felizes? Ou estaremos todos fadados à infelicidade ou à insatisfação?
Amo meus filhos, mas dói em mim a incerteza de poder ou não dar-lhes esse exemplo de felicidade; poder fazer algo além do simples falar sobre ela ou ensinar, teoricamente, como alcançá-la. A felicidade não se ensina. Tantas fórmulas, ideologias e teorias... Busquei o equilíbrio, a ponderação, o comedido. Não digo que foi a solução mais trivial, por que seria atribuir a ela um caráter de facilidade que não é verdadeiro. Não foi fácil, mas o fato é que cheguei e hoje “descubro” que não queria estar aqui.
É difícil admitir para os próprios filhos que para eles vai ser fácil chegar aonde cheguei; que vai ser fácil alcançar essa vida ideal. Se o discurso é dizer que vão estudar em boas escolas, se formar em boas faculdades, se relacionar com “boas” pessoas, ter bons empregos, famílias, filhos... (meus netos), estarei apenas dizendo que vão ser bem “educados” para seguir sem dificuldades o ciclo, mas com quais valores?
O sistema os favorece. Estudei para entender o sistema, lutei para me adequar a ele, batalhei cada item dessa vida ideal, parcelei vitaliciamente cada pedaço de desejo de mudança, por fim, não sei se agradeço a “grande possibilidade” de ter filhos bem sucedidos porque seus pais foram bons seguidores do ciclo, renderam-se aos sucessivos esquemas de mediocridade, aceitaram o sistema e credenciaram-se no movimento dos sem causa, ou melhor, da causa própria.
E essa batalha anti-revolução custou-lhes os sonhos, a vida real. E é por isso que essa rotina deve mudar hoje, agora, e mudar com muito barulho: talvez eu não tenha filhos, muito menos netos, mas vou lutar pelos meus sonhos de agora sem planejar os próximos, vou querer a mudança e lutar por ela, mesmo que pareça uma missão impossível ou menos valorizada pela sociedade, porque se um dia eu tiver filhos NÃO QUERO QUE SEJAM AS CRIANÇAS DO TEXTO.

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